O dia foi amargo, como o café e os cigarros que me ajudaram
a atravessar as horas. Estive meio perturbado durante a semana, com um frio
inexistente além das paredes da minha casa, com sensações que nunca foram minhas
cúmplices.
Sendo um pouco mais direto, escrevo esta mensagem como um
pedido de ajuda, na esperança de que sua mente sempre firme e racional me auxilie a afastar os fantasmas que meus medos têm moldado em todos os cantos e sombras
dos cômodos. Me afastei do álcool a fim de traçar uma trilha mais clara em meus
pensamentos, entretanto, fora a abstinência e seus castigos, adquiri apenas a
certeza de que nenhuma sobriedade é suficiente para explicar a noite que
antecede este relato.
Com o crepúsculo do último dia útil da semana passada, veio
a melancolia que o ócio me reserva. A saudade e a tristeza provocadas pelo fim
do meu casamento acentuaram os meus problemas com a bebida e o fumo. Assim, as
horas fora do trabalho reservo para os bares, que quando enfim são fechados me
forçam a voltar para a cama. E foi justamente o caso da madrugada em questão.
A lua já estava próxima do horizonte e uma neblina fina
banhava o meu jardim. Entrei cambaleante pelos fundos da casa, não antes de
perder bons minutos procurando o meu molho de chaves e me sentir um tolo ao
notar que as perdera no pub do qual voltara. Após pressionar a porta, e
finalmente passar pela área de serviço, notei uma silhueta no meu escritório.
Um vulto que não fugiu quando fixei o meu olhar.
Armado com um escovão de madeira que tateei naquela penumbra,
me esgueirei pelo corredor tanto quanto a ebriedade permitiu. Como as
habilidades motoras não se estendem após tantas doses de conhaque, tropecei. O movimento
fez o piso de madeira estalar, fazendo com que o meu algoz se desse conta da
minha presença. “Pai?!”, indagou o homem com uma voz que me causou estranheza,
um profundo desconforto. Certo de que se não um louco, o invasor acreditava falar com um outro possível criminoso, pensei o mais rápido que pude em uma ação
efetiva. Nos encaramos assim durante alguns poucos e terríveis segundos, que
terminaram quando avancei contra a figura desferindo um golpe com o cabo do
escovão.
Percebo que a esta altura o acontecido seja suficiente para servir
de explicação para o meu presente incômodo, porém, o desfecho não foi menos que
confuso. Acontece que acordei no fim da manhã, desorientado e assustado,
esperando pelo pior. Me encontrava jogado no chão do escritório como se estivesse
acordando de um desmaio. Na casa, ninguém mais. Dos meus bens, nada menos. Tudo
parecia tratar-se de um sonho.
Investiguei todos os cantos da casa, e quando enfim
satisfeito, também as redondezas do quarteirão. Nada parecia validar a violenta
experiência que eu passara. Tudo parecia se encontrar exatamente no lugar onde
deveria. Acredito que se não fosse o caso da porta dos fundos se encontrar
aberta, o que se justificou por eu não a fechar ao entrar, eu provavelmente me
convenceria de ter passado por uma forte alucinação. Seria talvez o caso do meu
uso excessivo de álcool? A dúvida me fez telefonar para o departamento de
polícia, que prontamente enviou uma diligência para o local.
A pouco interessada observação dos oficiais se deu por
satisfeita quando notaram que eu ainda sofria os efeitos da embriaguez, e
deixaram o local com um desdenhoso “Acredito
que o caso é que o senhor deve ter sonhado com isso”. A vergonha não me
permitiu contrariar a sugestão e passei as primeiras horas da manhã
extremamente inquieto. De modo que decidi fazer o desjejum quando o Sol já se
encontrava no ponto mais alto.
O dia passou morosamente, e a noite soou como a eternidade.
Não pude dormir um só minuto, e não me permiti apagar as luzes dos quartos. Ao
raiar do dia seguinte, saí de casa e não voltei até não me restar a opção de
ter o convívio efêmero dos bares, mesmo que eu não tenha me deixado beber além
de sucos e chás. E desta forma a semana correu, me privando o sono e saúde. Com tamanha indisposição faltei o trabalho, gerando interesse dos meus
colegas e familiares sobre o que se passava comigo.
Foi assim que na manhã de ontem eu decidi telefonar para os
meus pais e contar tudo o que estou dividindo neste momento. Como esperado, a
preocupação foi desmedida. Minha mãe já tinha como certo a minha insanidade e
perdição. Meu pai, um pouco mais controlado, a acalmou e prometeu me visitar pela
noite. Talvez me levasse com ele para a sua casa, onde talvez eu pudesse
descansar. Combinado isso, não saí de casa durante a tarde. Pude finalmente
deixar as lâmpadas apagadas, e com os raios de luz transbordando pelas janelas mal
levantei da minha poltrona. A fadiga acumulada, a claridade e a esperança de
melhorar meu juízo, me adormeceram.
Despertei com o ar condensado sendo disparado da minha boca,
com frio e sem reconhecer nada além da janela que parecia envolta em uma extensa
bruma. O Sol já não me fazia companhia, e a escuridão pesava sobre mim.
Levantei assustado, tentando achar um interruptor ou vela. Foi então que me
aproximando da porta escutei um barulho que me fez virar assustado. Tal como o
reflexo, indaguei: “Pai?!”
Enquanto a palavra percorria minha boca, um calafrio subia a
espinha. Paralisado na porta, meus olhos se encheram de lágrimas. E antes de conseguir dizer qualquer outra coisa, ou mesmo me mover, um golpe me
acertou. Acordei esta manhã no chão do escritório, e sem saber como agir a partir de agora eu decidi
procurar a sua ajuda.